terça-feira, 19 de abril de 2011

Folclore dos Meninos do Morro (5)


Conforme se sabe, a alma de uma escola de samba está personificada no diretor do barracão, um sujeito que sua, cospe e defeca sangue para confeccionar os carros alegóricos, adereços, alegorias e demais tralhas conceituais oriundas da mente, normalmente doentia, do carnavalesco da escola.

Pense na cidade de Brasília.

Todo mundo acha Oscar Niemeyer e Lucio Costa geniais, porque eles projetaram o plano piloto da cidade.

Numa escola de samba, os dois seriam os carnavalescos, os caras que botam a imaginação pra funcionar e sonham além dos limites.

Pouca gente sabe, entretanto, quem é Joaquim Moreira Cardozo.

Além de um excelente poeta e crítico de arte, ele foi o responsável pelo cálculo estrutural do projeto.

Sem ele, nenhum engenheiro conseguiria reproduzir aquelas curvaturas em concreto boladas por Niemeyer e Lucio Costa durante uma viagem de LSD.

Cardozo seria, grosso modo, o “diretor de barracão” da construção de Brasília.


Em meados dos anos 90, o diretor de barracão do GRES Reino Unido era um sujeitinho temperamental como uma cantora de ópera e que se achava as próprias “pregas da Odete”.

Sabazinho, esse era o nome da peça, tratava seus carros alegóricos, alegorias e adereços como filhos diletos de uma raça superior de extraterrestres.

Ele preferia ser morto a pedradas a passar pela experiência de ver alguma de suas “obras de arte” danificadas.

No dia do desfile, a tensão pré-menstrual do Sabazinho ia pro espaço: todo mundo era um conspirador em potencial para fazer suas maravilhas não funcionarem na avenida e ele encarava os conspiradores com uma fúria homicida.

Só não usava uma metralhadora portátil porque a diretoria da escola não deixava.

Mas como toda escola de samba que se preza deixa tudo pra cima da hora, as primeiras alas da Reino Unido já estavam entrando na Djalma Batista quando o último carro alegórico ainda estava sendo pintado com spray dourado (exigência do Sabazinho).

Posicionado em cima do carro, ele berrava as ordens pros vassalos.

Era um corre-corre infernal.

Recém-empossado diretor de Harmonia, o delegado Petrônio Carvalho, todo engomadinho, chegou na hora em que havia ocorrido um impasse: o carro alegórico da Medusa, de tão grande, não podia passar no Boulevard Amazonas porque alguns filhos da égua haviam estacionado os carros particulares no meio-fio.

A solução era arrastar o carro alegórico para o meio da rua.

A turma estava ali, tentando levantar o carro e posicioná-lo mais próximo do canteiro central, quando Sabazinho, lá do alto, viu o delegado, todo engomado, apenas observando a situação:

– Tu tá fazendo o quê parado aí, ô Zé-Boceta? –, disparou ele. “Mete a mão nessa porra e ajuda os outros, caralho! Quer vender beleza, vai lá pra Praça da Prefeitura. Lá é que é lugar de fresco...”.

Mais ofendido do que constrangido, Petrônio meteu a mão na massa.

Suas mãos ficaram douradas, por causa da tinta ainda úmida.

Duzentos metros depois, novo impasse.

Um fusca havia sido estacionado em fila dupla.

A única solução era o carro alegórico da Medusa passar por cima.

A TPM do Sabazinho virou complicação operatória pós-parto, com novo corre-corre para evitar que se abrisse um “buraco” entre as alas:

– Peguem a porra desse carro de pobre e joguem do outro lado da rua, caralho! Peguem a porra desse carro de pobre e joguem no quinto dos infernos, porque a gente está se atrasando e vamos acabar perdendo pontos! –, vociferava ele, montado na cabeça de Perseu.

Depois de quebrarem o vidro da janela, para abrir a porta do veículo e destravar a direção, uns vinte caras levantaram o fusca, entre eles Petrônio Carvalho, e começaram a levá-lo para o outro lado da pista do Boulevard Amazonas.

Foi quando a ficha do delegado caiu:

– Porra, eu sou um defensor da legalidade, uma autoridade constituída, e estou sendo conivente com este crime contra o patrimônio... –, meditou.

Aí, abruptamente, largou a Reino Unido à própria sorte, montou no seu alazão e ganhou a linha do horizonte.

Nunca mais foi visto na escola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário